23.4.19

teia

sabia 
precisava despir-nos 
daquela pele de casal  

o coração do fogo
lambia minhas vontades 
:
um dia eram as chamas 
no outro as geleiras 
um dia era o corte 
no outro as suturas
  
e o tempo a nos separar   
na teia  que a realidade tecia. 

nós e nossos passos

como se estivéssemos  
chegando 
à beira dos dias 

como se pudéssemos  
mergulhar 
em minutos repetidos 

como se conseguíssemos 
anular 
as nossas omissões 

insistimos 

a cada ano 
reinventamos 
um tempo novo 
que de novo 
terá nossa espera 
construções 
e outras alianças 
: esperança 

então  
novamente seremos nós e nossos passos 
sob a chuva fina 
de um verão que anunciará outros e novos arco-íris. 

mar adentro

tua poesia 
escrita com a minha língua 
(furioso poder 
de oceano) 
inundou-nos por inteiro 
desde o verso primeiro 
(a ondular  
em teus lábios) 
até o expirar em gotas 
da última rima 
(afogada) 
no profundo da minha boca. 

mandacaru


seus braços  
enlaçaram-me por trás  

a boca  
pendurou em meu pescoço  
seu colar de mentiras e aquele cheiro de outra 

meu corpo fechou a questão 
: plantei-me mandacaru 

noite de segunda

outono de vinte e dois graus
um bilhão de estrelas a furar o custo baixo das cortinas
uma taça de vinho vazia nas mãos
os apartamentos modernos não têm paredes
têm biombos de alvenaria
antes que eu tenha o impulso de cortar os pulsos
dos vizinhos
tento um porre bebendo gole a gole a ursa maior
não nasci com instintos assassinos
adquiri-os a cada paixão
algumas pessoas têm o dom de me enlouquecer
meu Deus
como é idiota esta falta de talento para monumentar porres!