12.4.19

intransitório


há anos
estamos a caminho
do adeus

às vezes
um amor arraigado
nos segura os passos

outras
são aos mesmos pés.

fotografia invertida


sou eu
a imagem no espelho

os olhos
escondem o brilho
das estrelas domesticadas 

a boca
ironias 
de um amor à exaustão

as mãos
acariciam o corpo
tentativa de reconhecê-lo 

não
a imagem no espelho
não sou eu

são pedaços indecisos e desertos de mim.

fiandeiras


o sono é pouco
a cama faz doer os ossos
antes de nascer o sol
enrodilham os fios brancos
vestem-se da dignidade do tempo
e saem a fiandar
pombos arrulham no centro da praça
os bancos somam vários dígitos de vida
o sol pinta nos braços o marrom dos anos
sentam-se com suas linhas e agulhas
conversam sobre filhos e netos e crenças
amigos que se foram
a sombra do asilo na dobra da esquina
algumas disfarçam a dor das perdas
outras agradecem o chão de um país
que nem sempre conseguem reconhecer
do outro lado da praça
fico a olhá-las
com uma dor inconsciente no peito
o sal no canto da boca
ensaio o enrodilhar dos cabelos pintados
:
talvez eu consiga fiandar
na soma dos anos retirados aos meus pais.

cerejeira em flor


talvez 
pudesse perguntar
sem nenhum pudor perguntar
:
que fogo 
te queima por dentro
que manto 
te cobre por fora
o que te faz 
força bruta a desabrochar
efusões de flores vermelhas 
o que te põe
estes braços de golias
a doçura sábia de davi
esta persistência dolorida de rute
uma tranquila entrega de ester
mas talvez sejas mais
muito mais que figuras e sinais
:
a menina
que embala a guerreira
a guerreira que revive
solidárias e solitárias
explosões
a árvore de brotos poéticos
nascida
em curvas marcadas
de suores e sangue e risos
: vida em ebulição.

caminhares


estes caminhos por onde ando
tão antigos
tão instáveis
às vezes tão doloridos
não sabem
quanto bem fazem
aos sonhos dos meus pés

carrego-me
sem bornais de culpas
talvez algum arrependimento
e uma indisfarçável admiração
pelas minhas escolhas
: vieram destes caminhos
minhas melhores construções

veio também
esta estranha força
em que me agarro
para trilhar
as nascentes dos dias
e equilibrar os malabares
que insistem em armar
um circo em meu coração.

caminhante


ignora as amarras
que o prendem à noite
insiste no amanhã
e caminha

os passos carregam seus dias

apesar do peso nos olhos
da insubmissão
fumegando entre os dedos
do tempo
derivando silêncios
nas cicatrizes
ele desliza levando seus sonhos

liberdade é construir o próprio caminho.

das mãos de minha mãe

sempre quis saber
de onde veio
esta mania de arranhar manhãs
esta doçura de pintar gatos
esta caligrafia
com que escrevo
ridículas cartas de amor
sempre quis sentir
a textura
os aconchegos
e até o peso
das mãos de minha mãe
mas delas
só me sobrou
uma fotografia apagada
na parede do corredor
o que sei
veio das histórias que sua ausência inventou.

mulher: adverbio de causa


e se em meus olhos
não houver brilho
que ilumine à minha volta?
se em meus braços
não houver calor
que se transforme em abraço?
se em meu corpo
não houver amor
que acolha e se encolha
em outros corpos?

no feminino
arde a chama
que dá luz à humanidade

do feminino
deve sair a iniciativa
de não aceitar abusos e desigualdades

o feminino
é causa de se amar
para renascer coragem e resistência.

a poeta


palavra em suas mãos
não tem segredo
síntese
desembala toda sina
superlativa
deita-se no secreto da madureza
letras em seus versos
são figuras
de formas variadas
ora mansas
ora rumores de queda d’água
sempre sobreviventes
leva-se múltipla
certezas na largura do sorriso
mistérios nos olhos de menina
e dá-se
aberta e profundamente
aos humores da poesia
poeta
:margens e profundezas de todo e qualquer rio.
para Cristina Siqueira

platônico


selvagem
o amor
se espalha
na vastidão
do silêncio
:
poema
sem palavras

ao poeta
contemplação.

paradoxo


nesta terra troca-se natureza
por fábrica de mortes a longo prazo

capitalismo
expresso no marketing
do imposto do emprego da cinza

tentamos alguns gritos
rasgos em slogans
protestos fluorescentes
...e aceitamos

nesta terra muito se diz
pouco se faz
nada se lembra

todos os dias
a fumaça do free azul
transgride a atmosfera
asfixia suspiros
arrasta balas de oxigênio
respirações ruidosas
restos de vidas

e deixa como epitáfio
um rastro invisível de flores amarelas.

líquidos desejos


suas mãos iam e vinham fazendo espumas em meus cabelos
levantando asas em nossos líquidos desejos 

até que os pés escorregassem 
e caíssemos
os corpos encaixados com a perfeição do vinho na taça
misturavam nossa respiração
o cheiro fresco do sabonete indo pelo ralo
nos deixava nus
das santíssimas moralidades
você sempre consentia no uso inesgotável de teu corpo
minhas mãos arranhavam tuas costas
dentes riscavam tua brancura
minha pele de água
oferecia-se à tua boca em movimentos sinuosos
sugavas e sugavas e sugavas
até que satisfeita
via teu liquido solitário misturando-se à água do chuveiro
enquanto acariciavas minhas coxas em teu peito
éramos tão únicos que a noite
invejosa
entregava-se para fazer coisas com a sombra que o sol deitava na lua.

lembranças que não se penduram na parede


quando o celular chamava pela décima vez
eu já sabia
era ele e seus enredos
intrometendo-se nos meus problemas reais
minha irritação era sempre tanta
e sempre o emudecia
ficava a escutar calado
humilde
doce
à espera da penitência
por algum pecado
que ele nunca se dava conta
de ter cometido
não acreditava em pecados
acreditava no medo que eu lhe provocava
talvez tivesse medo de perder o espelho
onde nunca penteava os cabelos
mas onde garantia o reflexo dos seus olhos
foi humilde
foi areia movediça
foi querido
foi para não continuar a busca de ser
fiquei com a gratidão que compõe os versos da minha saudade.

purificação


durante anos persegui o profano
vinguei feridas
ignorando mandamentos

hoje não me dou com demônios
e a temporalidade do alívio que oferecem

meus rasgões
aprendi a costurar
com agulhas
do suor e do sal dos renascimentos 

a cada manhã me purifico de mim mesma.

inegociável

chegou a me sugar vida
sem sequer saber traduzir
as mortes escritas em meus olhos

não entendeu a secura da minha língua

e o universo conspírou

ontem às oito horas ela viu um menino ser atropelado
o olhar de seu manoel em seus seios doeu-lhe de ânsias 
um motoboy rodopiou debaixo do caminhão de lixo
ela esqueceu uma das mãos na chapa do misto quente
o marido desempregado não voltou com seu mês de salário 

ao meio-dia suas latas continuavam vazias
o verdurão cobrava a conta dos dois últimos meses
já não tinha mais crédito na venda de dona marcela
mas ela ainda resistia aos olhos de gula de seu patrão

às oito da noite um fogão não sabia o que era comida
duas crianças brigavam pela rapa de uma panela
ela disfarçava o choro esfregando o chão da cozinha

ontem às onze da noite chutou o terço e as ave-marias
vestiu a roupa de domingo sem evitar as pérolas nos olhos

à meia-noite seu manoel sorria o sorriso de ganhador de loteria.

coragem


às vezes
precisamos mergulhar
em abismos
para nos reconhecermos donos
dos caminhos
por onde andamos


escalar a saída
pode ser a crucificação das mãos
ou pode ser
a coragem de levantar voo


o equilíbrio do bando
vem do bater das asas de cada andorinha.

1972


chovia
as pedras comiam os pés
os olhos bebiam o fim da tarde
o vento cortava os planos de fuga

era meu aniversário e ninguém se lembrou

a vida era de muitas feridas
sorrisos indecisos
desesperos

a esperança
misturava-se à cannabis
nos bolsos dos jeans esfarrapados

chovia
o sangue enlameava as lembranças
a memória não chegava ao meio-dia

era meu aniversário e ninguém se lembrou.

sob a exigência da lírica



me deram uma lista de temas proibidos
lugares-comuns
a parte nebulosa da poesia

fizeram outra lista de palavras em desuso
cortaram as rimas pobres
mataram a adjetivação

me apresentaram às figuras de linguagem
rimas internas
aliterações
a importância da temática e da versificação

finalizaram
me dando como espelho
meu ídolo Drummond

morri
me enterrei sem epitáfio

desde então
me adubo nas transpirações
e cavouco versos na fragilidade da inspiração.


outro gênesis


como se tivessem o poder
criaram outro gênesis
onde rosa não se mistura com azul

esqueceram que todas as cores
vieram de um mesmo jardim


por que não haveria roseiras brotando blues?

na periferia do humano


fogo
a explodir no estalo da pedra
raios
a iluminar a miséria da rua

vidas a boiar
em enxurradas de delírios
na escuridão
dos estômagos vazios

procissão em círculo
mortos-vivos
rasgo na carne do coletivo

o país oscila sem comoções

no sobe e desce da bolsa e na esplanada dos ministérios. 

enganar-se


quis escrever-te
o poema do nosso fim

busquei derrubar
os castelos que inventamos
criei metáforas 
que me escondessem
e às minhas contradições

confesso
não consegui me livrar de nos querer

insisti
me reli por inteiro
inventei mordaças
para calar nossa poesia
plantei outros tempos
só colhi entardeceres

anoiteci

quis ser dona desta nossa história
só fiz transbordar tua falta em mim.


de lutas e vidas


depois de tantos dezembros
só quero um violão
sangrando bossa
e a garantia de arrepios
numa voz cristalina
plantada em jardins de poemas

depois de tantas lutas
só quero os despojos
colhidos ao longo da estrada
a equilibrarem-se à beira dos dias
ao som de pássaros e blues
que rondam a inspiração do poeta

depois de tantas vidas
só quero um mundo
onde amar nunca se complete.

azuis de lis


de azuis explosivos
olhos e indignação equilibram-se rio
correndo nilo a garantir vida em desertos

abraço
: aconchego
mil vezes mais forte
a cada quatro patas acolhidas

grito
: reação
contra a irracionalidade
do bicho que desumaniza cuidados

de azuis marejados
olhos e amor se repetem beleza em carinhos e afetos.

(para Elis de Liz)

precariedades


já morri algumas vezes
morrer é minha fuga predileta
a minha próxima morte
não se comparará a qualquer outra
a última é sempre a mais trágica
quem sabe eu me atire do alto
de um poema lírico de torres
caia bêbada entre os licores
e os olhos doces de guanais
quem sabe eu promova o espetáculo
de um suicídio à la magoli
ou encha os pulmões de pétalas
da rosa do povo de drummond
talvez eu até desista de arquitetar uma morte
e apenas me deixe boiar na hemorragia
causada pelas inconsequentes punhaladas
que os mitos vêm enterrando na minha história
ou tudo isso não passará de um ensaio
para a idiotice maior - uma parada do coração.

felina


a cada manhã
eu me refaço fôlego
nua
deixo-me raciocínio
a escutar imóvel
os sons do futuro
felina
deixo-me leoparda
garras agudas
a guardar minhas matas
alerta
renovo intenções
e na memória dos dias
deixo os mármores a seus mortos
não à toa
aprendi a incitar sóis e tempestades.

se ele pudesse ser um abalo sísmico


queria poder amá-lo
plena
de desassossego
amá-lo 
daquele jeito indomável
peito pisoteado 
por beijos
corpo dilacerado
pela dor de contê-lo em mim
queria poder possuí-lo
afogá-lo
em múltiplas umidades
engolir sua respiração
matá-lo
em seu próprio prazer
depois ressuscitá-lo
amalgamado
em minha gratidão
minha fome de tempestade insiste
em riscar o céu na busca de abalos sísmicos.

fascinação


não é o mar que te fascina
nem o cheiro da minha pele
nem a música que escutas
quando meu corpo roça o teu
ou minha língua perturba tua libido
te fascina é este teu querer
de cordeiro inocente
que me inventa
e me alimenta
felina
para se entregar
sobre altares de sacrifícios
à minha fome
te fascina
sentir-me garras fazendo borbulhar o teu sangue.

outras intensidades


preciso da espada de fogo de um querubim me santificando as intimidades
respirar de olhos fechados janes joplin e sua loucura sagrada
preciso dos versos amaldiçoados de bukowski
e a nenhuma importância que dava ao convencional
ainda ontem sonhei com garrafas de malte
poesia
vinil e beijos no ouvido
acordei com tumultos de pedras no estômago
nas mãos a vontade daqueles pelos de barba por fazer
as marcas de unhas na barriga não eram do amante
este está ficando cada vez mais substituído por olhos e boca que apenas imagino
um gato
no sonho bebia poesia
não tenho mais preconceitos virtuais
derretam-me em caldeirões de prazeres poéticos
pontiagudos
colham-me na linguagem figurada de arrepios e me endureçam os bicos dos seios
matem-me de joelhos
sobrevivo
da cama vejo uma das mulheres de modigliani imitando minha nudez.

pornografia oficial


ouvir os mesmos gritos
às mesmas horas
com a mesma dor
e nunca saber
quando a porta se fecharia
eram assim os dias
ignorar a vergonha
e costurar sem anestesia
os cortes feitos na alma
quando abobalhada
a carne silenciava
eram assim os dias
sentir-se mais forte
ainda que o corpo
fosse a cada manhã
menos firmeza mais tatuagem
e a esperança
uma réstia de luz no alto da parede
eram assim aqueles dias
em que a pornografia era oficial.

vaidades


estou cada vez menos
escotilha
as pessoas estão se afogando
ao meu redor
as âncoras estão fugindo
impassíveis
estou cada vez mais
eu comigo
escuto mais alto o som do mar
nem sempre quero saber de onde vem o sal
estou ficando cada vez mais escritora
do que sinto
do que vejo
do que invento
e fabrico palmas de mil mãos
hoje chove granizos
amanhã ralarei os joelhos correndo atrás do vento.

afogados


encanto
nos olhos aquáticos
a me imergir
em suas intenções
de atravessar mundos
(apesar de mim)

eu barco
de rios intermitentes
a acalmar arritmias
e a escalar 
vales e afetos 
(apesar dele)

na busca do encontro
nos perdemos 
em gozos espantados
e afogados 
nos entregamos
ao prenúncio do fim

entre minhas pernas não cabem oceanos.

no sétimo andar


ontem maria adélia foi embora
das passarelas
de seu gato malhado
da família que nunca fora dela
cortou o vestido de noiva
rasgou a artéria direita
furou a esquerda
e ficou a contar as gotas
tingindo a água da banheira
depois para ter certeza
afogou cianureto no vinho
engoliu o veneno da angústia
cambaleou até a janela
e caiu
ontem no sétimo andar
encolheu-se no tapete da sala
maria adélia
um pássaro que nunca conseguiu ter asas.

o pão nosso de cada dia


todos os dias
caminhava para a morte

o corredor era sempre o mesmo
:
abundância de fardas 
risadas
palavrões
o eco dos gritos espalhando-se no nada

não havia mais sustos
a dignidade vivia na ponta das armas 
bater em mulher
era o gozo 
a distração 
a garantia do soldo

como quem derrama café quente nas coxas
imaginava
as manchas nas calças
e aquele sabão que prometia limpeza total

qualquer imagem servia para fugir 
à realidade do cheiro podre do sadismo
escorrendo junto ao sangue 
pelo cano da arma
e a absoluta falta de esperança 
tirando o chão

havia um abismo entre a dor e os livros de moral e cívica.

juizo fatal

antes do jantar
um menino levou um tiro
uma mulher foi jogada pela janela
um aposentado morreu na fila do sus
um usuário de crack foi queimado vivo

há poucos dias
a salvação foi prometida
como se fosse um cristo moderno

mas este cristo não veio cordeiro imolado
trouxe armas e um exército de avessas intenções

o que fazer agora
se os meninos se perdem mais depressa
as mulheres são mortas mais depressa
e as minorias 
são uma procissão de desamparados 
a carregar a cruz do avesso das leis 
até às 23 horas de um juízo amoral?

talvez este juízo já tenha se cumprido
mas não me conformo 
em apenas chorar sobre a louça do jantar.

ferida


mergulhei 
nas promessas que fiz a mim
descartei os gritos do corpo
me armei
de sementes e fertilidades
me abri para a quentura do sol
saí

não percebi
os cadeados abertos
as flores na janela
e a saudade antecipando-se ao amanhã

foi o bastante para a poesia invadir

e agora?
voltar sem rasgar o peito
sem arrancar este nada
que anda a me tirar a respiração?

voltar sim
aprender a me ver de fora
e novamente dar vida a mim.

vinho tinto


(ou a breve história de Maria Adélia)
como uma corredora de maratona
ela própria monitorou o ritmo da respiração
a hora de cortar a fita de chegada
o prêmio que queria pendurar em sua vida
quebrou o espelho
não se sabe se antes
ou depois de deitar-se na banheira
tomou uma taça de vinho
também não se sabe
se ria ou o misturava ao sangue
escolheu abandonar as passarelas
os vômitos e a brancura do vestido de noiva
não se sabe a hora escolhida
se durante os raios e trovões
ou quando o silêncio lhe doeu nos ouvidos
sabe-se que
ao raiar do dia seguinte
escutou-se os sinais estridentes
de seu gato malhado
anunciando a dor do abandono
vai levar um tempo
para enterrar as lembranças que o vinho marcou de roxo.

delicadezas


ela era toda pernas
seios
olhares
sugestões
era fome de todo homem
mas gostava de mim
sonhava ter sua respiração
entre minhas pernas
juntar nossas umidades
em bocas alternadas
mandou-me seus desejos
codificados em versos
não respondi
tinha um atlântico
a me abrir carências
desconfiava
da atração do vinho
e das delicadezas de seu sabor.

Lourença Lou

os caminhos do céu


queria fazer um poema
onde pudesse relembrar
o primeiro beijo
os skates na praça
a goiaba roubada do vizinho
a cola de matemática
a mordida na maçã proibida
um poema onde nunca mais
precisasse me lembrar
dos cheiros variados
que grudaram em minha memória
na escuridão dos porões
ou a ameaça
de uma iminente overdose
- outra espécie de invasão
mas seria apenas um poema
a brincar
de admirável mundo novo
onde meto a língua sai sangue
minha poesia é mais do que linguagem
- arame farpado amarrado nos sonhos
meu medo é perder os caminhos do céu.

detesto promessas e seus amanhãs


depressão
no vai e vem da manhã
dor no dente siso
gelo e amor
do outro lado do mundo
pressão dos acontecimentos 
escolhas 
solidão é o outro lado da moeda

o passaporte me olha com cara de ironia

há bandeiras a desfraldar
há corredores da morte em vida
há vida a não se desperdiçar

não consigo me resolver a fazer o check in

coisas que pareciam pequenas 
agigantam-se
horrores 
me apertam o coração
detesto promessas e seus amanhãs
me mato no medo de regressões
de perder o direito às minhas escolhas

quero o poder de decidir
de que veia meu sangue vai jorrar.

de mim para ti


sempre me fez pensar
em delicadezas
aves voltando pra casa
ninho de plantar amores
abraços
pensei em lhe escrever uma carta
papel colorido
perfume de madressilvas
manchas de dedinhos
peraltices dos netinhos
em corações de avós
- dizer do meu encanto
mas esqueci minha caligrafia
e ganhei rios de desinspiração
tentei um poema
escrever pequenininho
haicaizar o maior dos sentimentos
desisti
não presto para bonitezas
no máximo
dependurar em teto de móbiles
esta coleção de versos
te amar é tão fácil que invento poesia.

vagina

eles enchem a boca
e quando gozam é buceta
transgressões de umidades
a lhes entorpecer a língua
elas cumprem dogmas
de diferentes criações
buscam metáforas
que a guardam
na transparência dos véus
apesar dos diferentes olhares
ela transita
tranquila e quente
entre gêneros
números ou graus
: cântico de orgasmos
democrática
a vagina abre-se boca a todos os desejos.

adrenalina


sabia
precisava despir-te
daquela pele de amante
olhos mediterrâneos
a incendiar
a nudez do meu corpo
boca bebendo da minha
tempestades
raios entre meus seios
adrenalina
não conseguia
um dia chegavas chão
no outro
promessas de mar
um dia eras diamante
no outro
ostra a me sugar
e o tempo
o tempo me transformando
poema em linhas tortas
metáforas
loba amanhecendo fomes
tesões
sabia
te colheria em versos
inversos
sabores escorrendo em mim.

ainda não era meio-dia


ele estava ali a me esperar
gato sentado num galho de saudade
olhos bêbados dos meus
e um silêncio a preparar hecatombes
eu era pedra
resistente a laços e escultura
ele trazia mil braços e uma certeza
:
forçar as minhas reações
num abraço que me faria sentir
aquele coração sem bússola
oferecendo-se às ressacas de fim de tarde
ainda não era meio-dia
descobri
eu o queria
queria aprender a amá-lo
apesar das inúmeras raízes plantadas naquele amor.

de dezembros e amores


uma lembrança que baste
para recriar
a melhor história
tornar concreta
a cumplicidade
que renasce 
em viradas de anos
uma ternura
que se esconde
no fundo dos olhos
de um passado
que de tão intenso
não se permite
ser esquecido
um espelho
mil vezes facetas
onde refletir
o desejado calor
do corpo a corpo
pedra de amolar
cânticos e sonhos
dezembro
tempo de relembrar o amor
para sempre preso entre as estrelas.