fui mãe
sem ter sido filha
guardava meus irmãos
o gato que lambia as lágrimas da caçula
e a galinha que nos dava o café da manhã
dentro do meu abraço de menina
muitas vidas depois
transpirava amor em cada dor de parto
amamentava
com os bicos do peito rachados
acalentava as madrugadas
sozinha
a cantarolar jazz ou chico buarque
às vezes beatles emendado ao choro
e a dançar pela varanda estrelada
nunca ouvi canções de ninar
em noites de cólicas
calçava a alma
com meias de funcho ou hortelã
deitava sobre ela o menino
adoçava as histórias que vivera
e medindo com os passos as tábuas do chão
esperava seu sono chegar
não conhecia as pérolas infantis
hoje
após tanto chão
aprendi que aconchego
não importa quem dá
importa que se dê
mãe é bem mais que um poema de maio.
13.5.19
há muito não te desenho elefantes
não tenho muito tempo
depois de tambores e decibéis elevados
a noite já se anunciou silenciosa
da janela vejo flores à beira da calçada
a enfeitar o inverno que se anuncia
perenes
como este querer que em mim é conteúdo
de plumas
doçuras
gratidão de tantos antigamentes
há muito não te desenho elefantes
que nos acheguem na distância de suas patas
nem te dou de presente
pérolas que invento
assentadas em mil seios de conchas
talvez devesse esperar junho
seria quase nada
fazer do seu dia
apenas alusões a uma vida inteira poética
que dribla geografias
a lançar redes em todos os meses do ano
e distribuir peixes
multiplicados em estatísticas de carinho
não tenho mais tempo
talvez amanhã eu te dê uma braçada de flores que te mereçam.
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