24.5.19

sempre-vivas

pus um sorriso novo
cílios postiços
batom a sujar os dentes de vermelho
coração batendo enviesado
em busca da palmeira
onde me encantou um sabiá

pus uma flor
no lado direito dos cabelos
as coxas a arrebentar as costuras dos jeans
a respiração fazia os peitos empinarem
e o olhar era de gula
na palmeira que indiferente continuava seu dançar

ele me chegou com flores nas mãos
e um jeito de amor à antiga

em dois passos minha boca esquentava a sua
meu juízo se perdia
na certeza das suas vontades
entreguei-me puta
e o tomei minha febre terçã

a terra rolou em nosso suor
e o chão foi canteiro
das sementes que seu pulsar espalhou

ainda nascem sempre-vivas ao redor daquela palmeira.

23.5.19

sob a égide da poesia

em tempos de desmanches
carne fosca
ares intermitentes
poesia morde o gosto do dia
ignora ossos
e exige
que se corte os pulsos

ó doce senhora
esta que faz sangrar versos e passar a vida a ferro!

15.5.19

tempo de se buscar

passa as horas
a subir e descer o asfalto

seus dias são sacolas
os caprichos da patroa
a menina a lhe entortar a coluna

as noites sangram solidão

beija a foto da mãe
lembra os tapas do pai
o corpo ensanguentado do irmão
há um mundo a se lamentar
balança-se sobre seus abismos e cantarola
entre dós e rés pede às marias
pregadas nas paredes do quarto
que lhe deem pipas e linhas e vento
afinal a vida só respeita
quem aprende a cortar os ares com as próprias mãos.

13.5.19

poema de maio

fui mãe
sem ter sido filha

guardava meus irmãos
o gato que lambia as lágrimas da caçula
e a galinha que nos dava o café da manhã
dentro do meu abraço de menina

muitas vidas depois
transpirava amor em cada dor de parto
amamentava
com os bicos do peito rachados
acalentava as madrugadas
sozinha
a cantarolar jazz ou chico buarque
às vezes beatles emendado ao choro
e a dançar pela varanda estrelada

nunca ouvi canções de ninar

em noites de cólicas
calçava a alma
com meias de funcho ou hortelã
deitava sobre ela o menino
adoçava as histórias que vivera
e medindo com os passos as tábuas do chão
esperava seu sono chegar

não conhecia as pérolas infantis

hoje
após tanto chão
aprendi que aconchego
não importa quem dá
importa que se dê

mãe é bem mais que um poema de maio.

há muito não te desenho elefantes



não tenho muito tempo
depois de tambores e decibéis elevados
a noite já se anunciou silenciosa

da janela vejo flores à beira da calçada
a enfeitar o inverno que se anuncia
perenes
como este querer que em mim é conteúdo
de plumas
doçuras
gratidão de tantos antigamentes

há muito não te desenho elefantes
que nos acheguem na distância de suas patas
nem te dou de presente
pérolas que invento
assentadas em mil seios de conchas

talvez devesse esperar junho

seria quase nada
fazer do seu dia
apenas alusões a uma vida inteira poética
que dribla geografias
a lançar redes em todos os meses do ano
e distribuir peixes
multiplicados em estatísticas de carinho

não tenho mais tempo
talvez amanhã eu te dê uma braçada de flores que te mereçam.

9.5.19

a flor e o medo

ouço tua voz e choro contigo

dói
não te dar a vida
daquela flor
que o poeta viu furar o asfalto
vencer a náusea
o nojo
o medo

para que dela possas colher
o milagre da respiração

dói
não te ver aspirar de levinho
a esperança
e agarrar com força
as lutas que já te batem à porta

ouço teu choro
grito por aquela flor que na fragilidade se fez vida.

8.5.19

sangramento

acordei procurando baldes
:
aparei o sangue
das feridas que me fiz
dos ossos que quebrei
do sal com que lanhei meu peito
ao te dizer adeus

precisava me matar
para te matar em mim

logo
muito em breve
renascerei árvore 

do esquecimento há que se esperar novos frutos.