9.7.21

orquídea

 

antes do jantar, menino leva um tiro. mulher é jogada pela janela. poeta toma um porre de desilusão. flor morre no asfalto.  minhas pernas fraquejam, por falta de vitamina d. a pandemia insiste, persiste, resiste.

tempos atrás, a salvação foi prometida por um novo messias, trazendo armas e um exército de impenetráveis intenções.

a vida não tomou novos rumos. a vacina comunista não é aceita em país fascista. idosos morrem sem oxigênio. meninos se perdem em cracolândias. mulheres são mortas mais depressa. minorias são a maioria dos desamparados. procissão crescente de perseguidos a carregar cruzes do avesso das leis.

por entre as mãos escorrem lágrimas e detergente.  a pia se enche de impotência e indignação.  não me conformo em apenas chorar sobre a louça do jantar. drummond levou para sempre sua orquídea.

delicados delitos

 

na exuberância da saudade

agarro-me

à morbidez das madrugadas

 

sob adagas de fome

entrego-me

aos delicados delitos

servidos

pela obscenidade do destino.

ambiguidades

 

uma aflição

ter meus abraços

presos

em tua vida

 

amor tão ligado

a intenções

anseios

inquietudes

 

e nossos finais

a contornar-nos

em palpitações

de paraíso.


 


de visgos e versos

 

chegou trazendo na timidez das mãos

contos da bela adormecida

e sua carne pingando na navalha

 

o olhar era prisão de encantamentos

silêncio gritava vinho e girassóis

 

entre os pés

orelha de van gogh

lembrava o sangue a ser estancado

 

era livre

eu o prendi na cumplicidade das metáforas

 

agora vivemos em visgos e versos

que insistem em nos tornar imortais.


urgências

 

há certa pornografia
no meu jeito de roer unhas

sinto cheiro da rosa pink
a se espalhar pelo corpo
pornô chic da hilst
a se misturar aos meus desejos
e alcançar o gato vizinho

felino a copular
com a dor destes tempos de prisão
lentamente estica músculos
mostra os pelos das axilas


suas garras se intrometem
no vermelho da sacada
corroem-me os poucos pudores

fome de rua me desce
em urgências pelas entranhas

há tempos
deito-me virgem de todos os beijos
meus vales gritam por imunização
qualquer uma
enquanto ainda sou umidades.


tiro à queima-roupa

 

olho o menino cruzar a esquina

- eternamente -

em sua bicicleta de uma roda

 

um rosto cheio de pelos trovoa:

- onde estão seus peitos?

 

olho meu corpo

preparo um grito habitado pelo susto

: não há peitos

 

o vermelho dos meus cabelos

cobrem tornozelos e pés

o grito fica preso nas algas que me invadem

 

olho em volta

a cidade coberta pelo musgo do tempo

escorrega e desmancha-se em gosma de algas

 

o homem à minha frente

dentes de ouro a deslumbrar janelas

equilibra-se ao som de wagner

 

fujo na bicicleta de uma roda

 

agora sou eu a girar girar girar

até a engrenagem se enroscar nos cabelos

e me espalhar pelo chão

 

escuto botas ao meu redor

continências nazistas

 

o modo como me apontam

parece tiro à queima-roupa

 

seus reflexos fantasmagoram a cidade

e me afundam lentamente

no caminhão pipa verde-amarelo

 

de túnica e estrela na testa

ando sobre águas ao encontro do salvador.