9.7.21

tiro à queima-roupa

 

olho o menino cruzar a esquina

- eternamente -

em sua bicicleta de uma roda

 

um rosto cheio de pelos trovoa:

- onde estão seus peitos?

 

olho meu corpo

preparo um grito habitado pelo susto

: não há peitos

 

o vermelho dos meus cabelos

cobrem tornozelos e pés

o grito fica preso nas algas que me invadem

 

olho em volta

a cidade coberta pelo musgo do tempo

escorrega e desmancha-se em gosma de algas

 

o homem à minha frente

dentes de ouro a deslumbrar janelas

equilibra-se ao som de wagner

 

fujo na bicicleta de uma roda

 

agora sou eu a girar girar girar

até a engrenagem se enroscar nos cabelos

e me espalhar pelo chão

 

escuto botas ao meu redor

continências nazistas

 

o modo como me apontam

parece tiro à queima-roupa

 

seus reflexos fantasmagoram a cidade

e me afundam lentamente

no caminhão pipa verde-amarelo

 

de túnica e estrela na testa

ando sobre águas ao encontro do salvador.